Quando se pode dizer quer há uma ditadura? No momento em que o Executivo legisla e julga. Ou seja, quando decide o que ele mesmo vai fazer e assume também as tarefas da Justiça.
Causou estarrecimento a “eleição” para administrador distrital de São Salvador. A Prefeitura de Cascavel legislou, inventando uma eleição completamente em desacordo com a Lei Orgânica. E, sem a menor participação ou regulação da Justiça Eleitoral, decidiu convocar eleição e contar votos.
Quando se esperava que o bom senso fosse prevalecer e esse equívoco sepultado, mais uma aleijão surge no horizonte. A Lei nº. 5.384, de 18 de dezembro de 2009, publicada quando as crianças começavam a esperar Papai Noel, receberam um embrulho estranhíssimo: a criação do “Conselho Comunitário das Associações de Moradores de Cascavel”.
Na prática, é o seguinte: o Município criou para si próprio, e sob seu controle, um substituto da União Cascavelense das Associações de Moradores (Ucam). Uma espécie de “estatização” da Ucam, como bem definiu o líder comunitário João Luiz de Araújo.
Conselhos municipais devem ser criados – e funcionar, pois sabemos de alguns que são reinos de contos-de-fada – para aconselhar o Executivo e o Legislativo a respeito dos mais diversos setores da administração: saúde, educação, meio ambiente etc. Associações de moradores não são, nem de longe, da alçada do Estado ou da Prefeitura: elas pertencem aos moradores e não podem estar atreladas a prefeito, secretários municipais, vereadores, partidos e candidatos.
Uma entidade de direito privado controlada pela guarda pretoriana do poder é uma entidade morta, sem sentido, pois só faz sentido haver uma associação de moradores para exigir providências e defender os moradores perante as autoridades relapsas.
O malsinado “Conselho Comunitário das Associações de Moradores” é ainda pior do que parece. É a prova cabal da instituição de uma ditadura municipal. É espantoso como os vereadores deixam passar um monstrengo como esse. A prova? Está lá, no artigo 2: a Prefeitura, através do Conselhão, vai gerir até o processo eleitoral das associações de moradores.
Não é assim que a coisa funciona: cada associação de moradores deve cuidar de sua própria composição, sem ter Conselhão oficial regulando seu processo interno. Prefeitura não tem nada que ditar regras sobre como uma entidade de bairro, sindicato ou igreja deve funcionar, nem é TRE para regular processos eleitorais.
Pelo que se vê nessa lei esquisita, o Conselhão será formado não apenas por um representante de cada bairro, mas também por um representante da Prefeitura e outro da Câmara, com seus respectivos suplentes. Por que cargas d’água será preciso tais representantes da Prefeitura e da Câmara? E quem representaria a Câmara, se a tal lei impede que seja membro do Conselho alguém que tenha mandato eletivo?
Cabe cumprimentar a Associação dos Moradores do Parque Habitacional Floresta por entrar com denúncia na 7ª Promotoria de Justiça, propondo a suspensão da lei e a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. A Lei do Conselhão representa uma intervenção indevida nos assuntos internos de entidades particulares, de direito privado, alheias à estrutura de poder municipal.
O presidente da Associação, Isoel Hamud, agiu com um grande espírito comunitário ao se insurgir contra essa coisa estranhíssima, que se pretende fingir de democrática mas é justamente o seu oposto.
Nosso bravo João Luiz questiona:
– Já pensou se a moda pega? Daqui a alguns dias o poder público vai criar mais um conselho: o “Conselho Comunitário dos Sindicatos de Cascavel”, e daí vai querer fazer eleições e dar posse pra todos eles. Onde está a liberdade? Cuspiram, escarraram na Constituição?
Os moradores dos bairros não precisam pedir licença da Prefeitura nem da Câmara de Vereadores para criar suas próprias entidades, geri-las e eleger seus dirigentes. Podem perfeitamente ficar sem esse cabresto imoral.
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Alceu A. Sperança – escritor
alceusperanca@ig.com.br
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