21 de julho de 2009

CONGRESSO: Psicanalista diz que o poder corrompe


Ao fim dos longos primeiros seis meses do ano, ficam as reflexões sobre o muito que foi discutido e o pouco que foi resolvido no Congresso Nacional. Praticamente a cada dia um novo escândalo político surge no País. São jatinhos pagos com dinheiro público, empregadas domésticas contratadas com dinheiro da Câmara dos Deputados, compra de passagens aéreas para namorada e agregados, inclusive para a sogra, além de atos secretos validando, entre outras práticas, o nepotismo. Dizem que tudo ele explica, mas será que Sigmund Freud, o médico e patriarca da psicanálise, saberia o que se passa na mente dos congressistas?

Este ano, até mesmo aqueles parlamentares conhecidos como baluartes da ética e da moral acabaram tendo seus nomes ligados a algum problema. E embora alguns estejam comprovadamente relacionados a escândalos que colocam o Congresso em evidência, ninguém foi severamente punido. Para tentar uma resposta analítica sobre a conduta dos parlamentares brasileiros, o Contas Abertas entrevistou por telefone o psicanalista Sergio Eduardo Nick, secretário geral da Federação Brasileira de Psicanálise e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Nick é otimista e acredita que o comportamento dos políticos está em constante evolução, mas admite que os nossos congressistas correm um grande risco de não saberem interpretar o conceito da ética.

Contas Abertas (CA) - O que é moral e ética e o que falta no Congresso Nacional?

Sergio Eduardo Nick - Existem determinados princípios que regem a moral de uma sociedade e você não tem que aspirar um tipo de prêmio ou elogio por segui-la. O que a psicanálise mostra é que às vezes os nossos desejos vão contra aquilo que está instituído sobre o que é certo e o que é errado, o que faz o sujeito viver em conflito. Há um termo chamado de sociopatia, em que alguns se vêem desobrigados a atender àquilo que o próximo espera que ele faça.

A moral deve ser vista como algo mais prático, como a ação do sujeito, que depende de uma determinada comunidade, e que, portanto, pode variar dentro do que cada sociedade considera como moral ou imoral. Nos países islâmicos, por exemplo, é imoral as mulheres usarem calças. Além disso, as regras morais podem evoluir ao longo do tempo e podem sofrer modificações que geram novas formas de encarar o mundo, a vida, os relacionamentos e tudo o mais. Já a ética é um estudo filosófico sobre a moral. Ela tenta justificar a moral. Então, o sentido da ética é orientar racionalmente a nossa vida.

Pensando a respeito do que acontece no Congresso, a gente tende a achar que é tudo a mesma coisa, que são todos ‘farinha do mesmo saco’. Acho que tem um aspecto positivo nisso tudo, que são as críticas, porque só assim nós conseguimos fazer o debate de determinadas normas e condutas. Eu uso como exemplo o caso das passagens. Hoje se pode olhar sobre o direito à verba indenizatória de forma mais reflexiva. Eu não sou contra a verba indenizatória, mas acho que ela ser usada nos fins para as quais ela foi criada. Mas não há dúvidas de que a perpetuação dos escândalos favorece a perda de um padrão moral no Congresso e também em nossa sociedade.

CA - Supondo que parlamentares, cansados de verem suas imagens vinculadas a questões avessas à ética, resolvessem buscar um tratamento, o processo de cura seria semelhante ao de uma pessoa que, por exemplo, sofresse de alcoolismo, tabagismo ou obesidade?

Nick - Na medida em que a pessoa está inebriada com o poder, ela se sente poderosa e narcisicamente se isola. Como qualquer tratamento, neste caso ele só pode ser bem sucedido se a pessoa reconhecer o problema.

CA - Sem o apoio dos colegas, o político consegue mudar a conduta de um grupo ou ele acaba por ser oprimido?

Nick - Nós temos muitos personagens, alguns mais e outros menos conhecidos, que morreram politicamente por considerem que não podiam lutar contra um status quo que não quer mudança. E isso ocorre em qualquer lugar, não só no Congresso. Se você está em um meio que perversamente permite atos ilícitos, você encontra ali uma força muito violenta que faz de tudo para se manter. Estamos falando, em tese, de poder. O poder inebria e corrompe. E eu acho que só um movimento social forte pode ir contra isso.

CA - A falta de percepção dos parlamentares sobre a existência de ‘patrões’ os induz a agirem descompromissadamente?

Nick - Os patrões somos nós e eu acho que esse patronato não deve ser exercido apenas na hora do voto, mas deve ser exercido durante todo o mandato. Eu falava que a moral vai se modificando ao longo do tempo e o que a gente está vivendo hoje é justamente esse processo. É preciso ver esse processo não só com pessimismo. Vale lembrar que temos uma nação muito jovem e com determinados padrões morais que ensejam, por exemplo, essas incorporações das verbas indenizatórias nos salários. Mas enquanto nós pudermos manter esse canal de crítica e acompanhamento, vamos ao longo do tempo construindo uma democracia mais forte.

CA - O senhor acredita na banalização dos escândalos políticos no Congresso Nacional?

Nick - Creio que estamos sempre evoluindo. O máximo que pode acontecer é que em algum momento, como aconteceu na Revolução Francesa, por exemplo, a sociedade vai dizer ‘se vocês não mudam, vamos tirar vocês’. A banalização ocorre, mas são casos que nos ajudam a pensar que as coisas devem mudar e não podem continuar como estão.

É possível que algumas pessoas se sintam frustradas se virem alguma coisa que foi criticada num determinado momento não se resolver e, ao contrário, voltar à tona. Eu prefiro ser otimista em acreditar que ‘água mole em pedra, tanto bate até que fura’. Quer dizer, acredito que uma hora vai mudar.

CA - O que influencia um cidadão a ser antiético, imoral ou a não ter caráter?

Nick - Freud, logo em um dos seus primeiros escritos, falava que a base inicial do ser humano é fonte de todos os seus motivos morais. Nisso ele tentava lançar as bases do que depois ele chamaria de ‘superego’, um auto-juízo ou auto-sensor. Quando nascemos, ainda dependentes, tendemos a fazer tudo conforme aquele que vai cuidar de nós manda. Sabemos que se não conquistarmos aquele que cuida de nós, morremos por desamparo.

Ao longo da vida, ouvindo outras pessoas, parentes, professores e legisladores, vamos construindo um ‘superego’ mais maleável, que permite uma reflexão sobre nossos atos e que vai moldando nosso caráter. Essa nossa moral, a nossa ética, é construída a partir do relacionamento com o outro desde o início.

Freud dizia que o comportamento humano nunca é regido por uma única razão, uma única influência. Deve-se pensar nos efeitos genéticos, sociais, ambientais e etc. Agora, quando falamos em uma ética social, de uma construção do comportamento na sociedade, quanto mais pessoas estiverem se regendo por uma ética, melhor será o comportamento social dessa sociedade.

Obviamente que, quanto mais rígido esse comportamento, mais as pessoas ficam presas as suas regras e normas. Existem críticas quanto a isso, porque dizem que você torna a vida muito mais restrita, inibindo a construção de soluções mais geniais aos problemas da sociedade.

CA - É possível mudar a realidade de escândalos no Brasil?

Nick - Eu acho que esses escândalos são sazonais. No momento, há espaço para que essas coisas sejam colocadas na pauta. Nós sabemos que uma das artimanhas políticas é quando a coisa está ruim você busca outras para que as pessoas calem as suas críticas. Os escândalos sempre vêm e vão e acredito que sempre será assim. As ditaduras acreditavam, e continuam acreditando, que poderiam acabar com tudo isso. Agora, é uma lástima que certas pessoas, que deveriam ter um papel ético sobressalente estejam preocupadas com outras coisas senão a tentativa de mudar e lutar por padrões éticos mais elevados

Crédito - Milton Júnior – Site Contas Abertas