6 de outubro de 2009

AS NULIDADES CONTINUAM A TRIUNFAR



CRÔNICA


Velha frase
O senador liberal havia desistido da sua candidatura à Presidência da República. Intelectual respeitado, homem de grande cultura, havia sacudido a política econômica como ministro da Fazenda e prestado relevantes serviços na área diplomática, mas nem por isso fora poupado de ataques caluniosos da oposição. Subiu à tribuna do Senado e fez um discurso arrasador, do qual uma frase é lembrada sempre que o Brasil entra em crise de valores. Esta:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".


O senador é Rui Barbosa e o ano é 1914.

E hoje? Para cada lado que olhamos, a frase se aplica. O cidadão não tem senão de mudar uma palavrinha ou outra para caracterizar exatamente do que e de quem está falando.
Olha para as pessoas que tiram vantagem da força e do físico, e para as que chegaram aonde chegaram passando por cima dos mais fracos, abrindo o caminho a cotoveladas, e conclui:


De tanto ver triunfar os violentos, de tanto ver prosperar a intolerância, de tanto ver crescer a brutalidade, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos arrogantes, o homem chega a desanimar da serenidade, a rir-se da moderação, a ter vergonha de ser bom moço.


Olha para as figuras do Congresso Nacional, pesa as atitudes dos parlamentares, avalia seus embates, e pensa:


De tanto ver triunfar os Severinos, de tanto ver prosperar a corrupção, de tanto ver crescer a politicagem, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos oportunistas, o homem chega a desanimar da seriedade, a rir-se da missão, a ter vergonha do legislador.


Contempla o panorama da Justiça e de novo parodia a frase do jurista baiano:

De tanto ver triunfar os malfeitores, de tanto ver prosperar a impunidade, de tanto ver crescer o número dos criminosos libertados, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos de magistrados burocráticos, o homem chega a desanimar da Justiça, a rir-se dos processos, a ter vergonha de seguir a lei.

Considera o mundo do futebol e novamente evoca e adapta a frase de Rui:

De tanto ver triunfar os mercenários, de tanto ver prosperar o negócio dos passes, de tanto ver crescer a ladroagem dos árbitros, de tanto ver multiplicarem-se as armas e os porretes nas mãos das torcidas organizadas, o homem chega a desanimar da competição, a rir-se da paixão, a ter medo de usar a camiseta do clube.


Olha constrangido para a televisão, percorre desanimado os programas da semana na busca de relevâncias e sorri ao encontrar paralelos entre o que vê e a velha frase:


De tanto ver triunfar os canastrões, de tanto ver prosperar a baixaria, de tanto ver crescer a mediocridade, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos vendedores, o homem chega a desanimar da verdade, a rir-se da cultura, a ter vergonha de ser artista.


Olha o panorama das artes, o mundo das galerias, das academias de letras, da arquitetura, das idéias e de novo brinca com a frase do Rui:


De tanto ver triunfar os alquimistas, de tanto ver prosperar a repetição, de tanto ver crescer a ânsia de celebridade, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos do mercado, o homem chega a desanimar da arte, a rir-se do talento, a ter vergonha de ser idealista.


O pior é que a coisa só pára por aqui porque o espaço acabou.


FONTE - Vejinha São Paulo (30 setembro 2005)