24 de outubro de 2009

TIRANDO A VISEIRA


PAPEL DA JUSTIÇA

O blog ‘pinça’ trechos do interessante debate, ocorrido recentemente em Campo Grande (MS), durante o I Encontro do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução de Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (29/09 á 01/10).
O evento reservou momentos raros em que autoridades ligadas ao Poder Judiciário puderam expor seus pontos de vista acerca da função social da terra e da reforma agrária. Mas o destaque fica para a palestra do desembargados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), Amilton Bueno de Carvalho que disse que a ‘função social fundamenta a reforma agrária’. Segundo ele, o Poder Judiciário pode fazer a reforma apenas exigindo o cumprimento da função social da terra prevista na lei.

A FIGURA DO JUIZ
As declarações foram antecedidas de um panorama sobre a crise da lei. Há 30 anos na área, ele lembrou que a lei, no sentido mais amplo, surgiu como elemento racionalizador e como condição civilizatória para impor limites ao poder desmesurado. Como conteúdo ético, portanto, a lei é a forma que o mais fraco encontra para limitar o mais forte, sendo que todo o poder tende ao abuso. O poder do juiz, adicionou, é ainda pior, pois impõe conseqüências a outro ser humano.
A figura do juiz aparece nas referências bíblicas como o defensor dos órfãos e das viúvas, acrescentou o desembargador. Como o magistrado deve proteger "um contra todos", ele não pode ser escolhido pela vontade da maioria, emendou. Ocorre que a lei, desde o primeiro momento, foi aplicada como meio de dominação. Historicamente, o fardo sempre foi mais pesado para o segmento mais frágil e a lei acabou sendo empregada no sentido inverso: em vez de proteger os mais fracos, ajudou a espoliá-los: o aparato legal serviu para perpetuar os mais fortes no poder. "Tem sido sempre assim. E não só no sistema capitalista. Quem faz o poder é a autoridade, não a sabedoria. A lei se tornou produto do poder arbitrário".

RIGIDEZ DA NORMA
Até por conta desse vício interno, a lei (rigidez da norma) não vem sendo capaz, na opinião dele, de dar respostas aos problemas da sociedade (complexidade do real). Como exemplo, o membro do TJ-RS citou as mudanças no Código Penal com relação ao porte ilegal de armas, que passou de contravenção a crime com punição com reclusão de 2 a 4 anos. Como não é tão simples explicar a violência, sobressai a opção pelo endurecimento da lei. "O mundo continua como está. Mas a lei mudou", ironizou.
PÁGINA VIRADA
O momento histórico da legalidade, para Amilton, já passou. Na concepção dele, os princípios supraconstitucionais - que são as regras carregadas de alto grau de abstração e do senso comum da Humanidade, que seguimos como parte da reserva ética e moral - ocupam atualmente o posto de mandamento nuclear do sistema. Os princípios, sustentou, são conquistas históricas obtidas por meio da filtragem do povo que nem o constituinte pode mudar. "Trata-se de uma etapa vencida, uma página virada", comparou.

APLICAÇÃO
Mesmo assim, o espaço da aplicação dos princípios, conforme avaliou o desembargador, continua ainda muito restrita. "Ainda somos positivistas primários", criticou. Os princípios ainda geram pânico e insegurança e os magistrados estão muito presos apenas ao que se vê. "Juristas ainda não atingiram a adolescência. Não conseguem abstrair". Por isso, Amilton declarou que, quando se trata dos conflitos sociais agrários, "já será uma grande coisa" caso o Judiciário não interfira para "atrapalhar". "Se não criminalizarmos os movimentos sociais, já estaremos ajudando" (LEIA MAIS).